sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Peça censurada durante a Ditadura ganha encenação durante o Seminário

Preste a ser vendida, uma cabra come o dinheiro de seu comprador. De quem é a cabra agora? A partir desse impasse, Deolino, Filinto e outros moradores de uma pequena cidade de Minas Gerais se envolverão num conflito que, na verdade, é uma profunda reflexão sobre a propriedade privada.

Esse é o enredo de O Crime da Cabra, de Renata Pallotini, peça que será encenada no dia 14 de outubro, como parte do Seminário 1968: Liberdade e Repressão, promovido pelo Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP. A apresentação conta com direção de Elvira Gentil.


A peça foi escrita em 1964, primeiro ano da Ditadura Militar no Brasil, mas problemas naquele ano a impediram de ser encenada.

"Eram os primeiros anos da ditadura; a peça sofreu as conseqüências diretas da tirania; estava pronta para ser encenada pelo Serviço Nacional de Teatro, com direção de Ademar Guerra, para uma turnê nacional. Mas foram-se o SNT, e seu Diretor, Roberto Freire , perseguido e condenado", conta a autora.

Apenas em 1965 a peça conseguiu ser liberada. Encenada, conseguiu o 1º Prêmio Molière.

A peça, pelo fato de ter sido censurada em 1964 em São Paulo, está presente no Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP, que conta com mais de seis mil peças censuradas em São Paulo, de 1930 a 1970.

À época, a censura era prévia: toda peça a ser encenada deveria passar pela censura, do Departamento de Diversões Públicas (sim, para o Estado, teatro era diversão pública, não arte). Desse modo, uma cópia da peça deveria ser mandada para os censores.

A partir daí, os caminhos eram muitos: liberação da peça, restrição quanto à faixa etária, corte de palavras, expressões, frases ou até mesmo páginas e, o pior caminho, a censura total, proibição de a peça ser encenada.


O Crime da Cabra passou pela censura do governo de São Paulo. O pedido de censura é da atriz Nydia Licia e data de novembro de 1965. Ela pede (ver fotos) que censurem a peça, a ser apresentada no Teatro Bela Vista.

Após análise do censor Nestório Lips, a peça foi liberada, com somente uma restrição: proibida para menores de 14 anos. A explicação do censor vem com um parecer, destinado ao chefe do Departamento:


"Na qualidade do censor responsável da comédia em três atos "O Crime da Cabra", a ser levada à cena no próximo dia 3 de dezembro, no Teatro Bela Vista, pela Companhia Nydia Licia, informo à V.S. que apliquei à referida a proibição até 14 anos, tendo em vista uma expressão que não me permitiu liberá-la, mas que é admissível em tal proibição."


Que a peça é provocante, não podemos negar: por trás de uma cabra, há a discussão do direito à propriedade privada e uma crítica ao poder imposto pelos latifundiários.

Mas os censores, em sua maioria, não eram treinados para fazer o que faziam: eram pessoas comuns, funcionários públicos, e, portanto, não tinham malícia suficiente para interpretar o enredo, ver nas entrelinhas. Eles se prendiam à superficialidade do discurso, ou seja, somente às palavras que os olhos captavam: palavrões, expressões chulas ou nominações de autoridades e/ou instituições eram cortados.

Entretanto, críticas que só ganham coerência na totalidade do discurso passavam despercebidas na maioria das vezes.

Sorte do Teatro!

Quando: 14 de outubro, terça-feira, às 20h
Onde: Teatro Laboratório da ECA-USP, Sala Miroel Silveira