quinta-feira, 20 de novembro de 2008

As tensões sociais na década de 60

Já no terceiro dia de seminário, a mesa O Filho do Cão, discutiu as tensões sociais da década, tendo por fundo os acontecimentos de 68, tanto no cenário cultural quanto no social.

Estavam presentes, Francisco Alambert, professor de História Social da USP, o professor da Unicamp Dr. João Quartim de Moraes na área de ciências políticas e jurídicas. E o Prof. Dr. Ferdinando Martins doutor em ciências políticas, jornalista e pesquisador do AMS. A coordenação da mesa coube à Professora Doutora Roseli Fígaro.


Francisco Alambert: as reverberações de 68 em 2008

O professor Alambert definiu o ano de 68 como um personagem histórico, agora quarentão, e como um fantasma, que de maneira muito particular se faz presente nos dias de hoje. “Imaginamos, pensamos e queremos aprender com esse personagem”.

Alambert coloca que hoje, 40 anos depois, os jovens vêem 68 como evento histórico ou como moda. A primeira parte é um bom sinal. A segunda é um sinal dos tempos. Os desejos da juventude de 68 se concretizam de forma distorcida na juventude de 2008, para ficar apenas em alguns exemplos, a vida sexual foi liberada, mas é neurótica, já que é mais um objeto a ser consumido; o acesso as drogas é facilitado, mas não para "abrir as portas da percepção", e sim para abrir as da alienação.

Mesmo assim ele defende que a partir dessas contradições é que pode ressurgir o verdadeiro espírito contestador de 68, como surgiu no debate promovido pelo AMS. O fantasma da época está entre nós, resta saber se vamos nos sentir assombrados ou inspirados.


João Quartim: 1968, um fato histórico
O professor Quartim, iniciou sua fala definindo um fato histórico. “O que são os Evénements de Mai 1968”. É próprio ao fato histórico ser um complexo de pequenos processos, qualquer fato histórico é na verdade um clímax de uma série de fatos que, portanto se deixa analisar como um momento.

Além disso, é próprio do fato histórico a sua auto-produção. “1968 teve desfiles, brigas, passeatas, sexo, mortes, esperança, desejo, tudo isso e mais alguma coisa que eu estou esquecendo. Mas teve também a imagem de 68 que ela perenizou”, qualquer fato histórico é objeto de uma luta ideológica.

Para Quartim, os resultados dessa luta são dificilmente classificáveis como positivos ou negativos, mas ele vê muito avanços, como a emancipação feminina e a liberação de alguns preconceitos, ou pelo menos a sua contestação.


Ferdinando Martins: A censura é sempre arbitrária
O pesquisador Ferdinando Martins pensou as representações sociais no ano a partir das peças de teatro encenados nesse momento e que estão presentes no próprio Arquivo Miroel Silveira. Ele escolheu como exemplo mais significativo para demonstrar a arbitrariedade da censura o processo da peça Santidade, de José Vicente.

A peça foi vetada pela censura, mas não satisfeito o então presidente, Costa e Silva, anunciou em rede de televisão que jamais uma peça como aquela seria encenada no território brasileiro. Fazendo questão de distribuir ele mesmo a peça para todos os DDP’s, para que caso a peça fosse apresentada com outro nome de diretor ou de título não fosse possível driblar a censura.

Martins contou que o autor tinha uma teoria para o motivo de tanto escândalo com a censura de uma peça, um trecho no qual um ex-seminarista, agora um prostituto, ao enumerar seus clientes cita um membro das Forças Armadas.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Terça-feira fecha com “O Crime da Cabra”

Após duas mesas de debate, público assiste a encenação de peça censurada durante a Ditadura


Na última atividade do segundo dia de Seminário, o público pôde assistir ao espetáculo “O Crime da Cabra”, de Renata Pallottini. A encenação ocorreu no Teatro Laboratório da ECA-USP.


A farsa contou a história de uma cabra que, prestes a ser vendida, come o dinheiro de seu comprador. De quem é a cabra agora? É a partir desse impasse que todo o enredo se desenrola, numa pacata cidade do interior.


Deolino e Filinto vão exigir justiça do delegado local (que tem ao seu lado um atrapalhado ajudante): aquele que queria vender a cabra diz que não irá mais entregá-la porque não recebeu o dinheiro. Já o comprador exige o animal, pois o dinheiro foi entregue.


Em meio ao conflito com a cabra, uma trama amorosa se desenrola: o Coronel Terso tenta seduzir Romilda, a insinuante e traiçoeira mulher de Deolino. Além disso, a cidade recebe a visita de um cego, vindo de outra cidade. Este, apesar de não enxergar, é o mais sábio de todos, “vendo” tudo o que acontece na delegacia, da “escapadela” do coronel à disputa pela cabra.


O poder do pequeno povoado aparece nas figuras do Coronel Terso, um grosseiro latifundiário com patente de coronel e que tem todo o seu poder concentrado em seu coldre à cintura; e na do Delegado, que dita a justiça à sua maneira, ora se valendo da Constituição em mãos, ora se valendo de seu estado de espírito no momento para resolver o impasse.


O poder coercitivo e abusivo em pequenas cidades do interior são temas claramente debatidos, mas que se tornam sutis com o uso do humor, que permeia toda a peça. Mas, como a autora conta, “Bem queria eu que o mundo de hoje – dentro e fora de mim – fosse o que me foi quando escrevi O Crime. Naquele tempo um delegado de província podia ser pensado como um distraído decifrador de palavras cruzadas. Um latifundiário com patente de coronel era ainda alguém com quem se podia brincar... hoje, no mundo de verdadeiros crimes e verdadeiros venenos, a realidade émais dura”.


A propriedade privada é outro tema debatido na peça. A cabra se configura como esse direito à propriedade. E é o grande objeto de disputa. Ora a cabra fica na posse do delegado, quanto este, ao constatar que um animal não pode cometer um crime, diz que no impasse não há criminoso e culpado. Logo, a melhor solução seria deixar a cabra na delegacia (uma decisão que se mostraria equivocada, pois nem Deolino nem Filinto desistem tão fácil assim do animal).


E ora a cabra viraobjeto de cobiça do Coronel, numa atitude tanto infantil quanto aleatória e autoritária. No final das contas, é um vai-e-vem no modo como a propriedade privada é debatida.


Mas todos chegam a uma conclusão, ao final do espetáculo: “A cabra é de quem precisa. Assim é que deve ser.”.



Autora, atriz e pesquisadora se encontram para falar da censura

Na segunda mesa de terça-feira, três mulheres do teatro brasileiro se encontraram para debater os significados da censura


A segunda mesa do dia, “Esta noite falamos de medo”, foi formada por três mulheres, personagens-chave da história do teatro brasileiro moderno: Nydia Lícia, atriz do TBC (Teatro Brasileiro de Comédia) e fundadora da Companhia Nydia Lícia; Maria Thereza Vargas, grande pesquisadora do teatro brasileiro; e Renata Pallottini, dramaturga, cuja peça “O Crime da Cabra”, seria encenada mais tarde, no mesmo dia de evento.


“A censura era burra!”

Muito irreverente, a atriz Nydia Lícia não poupou palavras para dizer o que pensa da censura. “Naquela época, ninguém conseguia se livrar da censura. Mas ela era burra, completamente idiota!”, afirmou, arrancando risos da platéia.


Ela contou a história de sua peça como autora, “Essa Noite Falamos de Medo” (presente no Arquivo Miroel Silveira). A peça, conta, falava de nazismo, bomba atômica, racismo nos Estados Unidos, entre outros temas. E ela, na época, foi chamada na delegacia para dar explicações sobre a peça, “o porquê de ser contra os Estados Unidos”, falar de Marx, etc.


Descontraída, a atriz conta que havia muitas peças ruins. E brinca ao dizer que às vezes era até bom que elas fossem censuradas, de tão ruins. “Eram tão ruins que não eram nem encenadas quando eram posteriormente liberadas”.


Solidariedade foi fundamental


Maria Thereza Vargas, que por ter presenciado décadas de acontecimento no teatro brasileiro moderno e, ao mesmo tempo, tê-lo estudado, faz parte de toda essa história, conta que a solidariedade entre a classe teatral foi essencial para que a resistência do teatro contra a censura fosse efetiva.


Para a pesquisadora, a fidelidade à vocação mostrou para os censores com quem eles estavam lhe dando. Se, precipitadamente, os censores agiam como se estivessem diante de pessoas sem capacidade de auto-defesa, logo percebiam que se tratava de uma classe, muito bem organizada e que tinha força. A categoria foi humilhada, diz, mas resistiu. Humilhada porque centenas de textos foram censurados na estréia, o que causava problemas sérios para o grupo (na maioria financeiros).


Aliás, com Nydia Lícia presente na mesa, não havia hora mais oportuna para lembrar que o TBC foi o principal responsável por profissionalizar o teatro no Brasil.


Maria Thereza faz uma ressalva: hoje, apesar da seriedade com o qual se trata da censura, há um pouco de folclore, o que mistifica aqueles fatos. “Mas a coisa sempre foi séria”, comenta.


“A classe teatral foi heróica”

Renata Pallottini continuou com as reflexões sobre a censura ao teatro. Concordou com a fala de sua amiga Nydia Lícia, ao dizer que a censura não fazia nenhum exercício intelectual durante o processo de análise e censura da peça.


Ela conta que eles eram funcionários a partir dos anos 50, e sentiam a pressão do trabalho, tinham que fazer algo que justificasse o salário. “Os censores tinham muitas vezes que ‘procurar chifre em cabeça de cavalo’”, comenta.


Para a autora, a classe teatral foi heróica por resistir à censura. “É uma luta que não se pode esquecer”, completa. Ela ainda disse que a censura, de diferentes modos, persiste até hoje, que é preciso estar sempre alerta para a defesa da liberdade.

domingo, 26 de outubro de 2008

Mesa Redonda "Roda Viva" discute a censura, o AI-5 e as críticas à peça

Na terça-feira (14/10), às 14 horas se deu a primeira sessão de debates do Seminário 1968: Liberdade e Repressão. Nela se pôde ver a diversidade de opiniões sobre o acirramento da censura e da ditadura militar, tendo como pano de fundo a invasão dos camarins e a agressão dos atores da peça Roda Viva pelo Comando de Caça aos Comunistas (CCC) e o decreto do Ato Institucional 5 alguns meses depois.


Da esquerda para a direita: Valmir Santos, Prof. Dr. Sérgio Carvalho e a Profª Drª Maria Cristina Castilho Costa.


A mesa foi coordenada pela Profª. Drª. Maria Cristina Castilho Costa, que, já de início clamou à diversidade de 1968 para apresentar os presentes à mesa de debates: César Vieira, autor teatral e diretor do Teatro União Olho Vivo, Profª. Drª. Maria Arminda do Nascimento Arruda, Professora Titular do Departamento de Sociologia da FFLCH- USP, Prof. Dr. Sérgio de Carvalho, do Departamento de Artes Cênicas (CAC) da ECA-USP, Valmir Santos, jornalista e mestrando do CAC – ECA/USP, e Sérgio Salvia Coelho, diretor do Teatro da Lucidez e crítico de teatro do jornal Folha de S. Paulo.

César Vieira: a censura há 40 anos, e a censura hoje


César Vieira durante sua apresentação no debate da Sessão "Roda Viva"

César Vieira, homem do teatro, autor, e diretor de inúmeras peças, foi o primeiro a falar, e, deixou bem claro em sua fala, que a censura ainda existe, porém sob outras máscaras. A história de resistência de Vieira à Ditadura é duplamente importante: além de ser autor de peças, César foi um "advogado de presos políticos"( sob o nome, o seu verdadeiro, Idibal Almeida Piveta) responsável pela liberação de nomes como Augusto Boal e Luís Inácio Lula da Silva.

César explicou, passo a passo, como ocorria o processo de censura de uma peça do ponto de vista de um autor. Afirmou que os censores do Serviço Nacional de Censura tinham o objetivo de "defender a moral, os bons costumes e a ordem estabelecidas", dessa forma a censura era feita mais de maneira subjetiva, já que cabia a cada censor saber o que ia contra a moral, os bons costumes e a ordem estabelecida,o próprio César questionou "o que quer dizer isso tudo? Ninguém sabe".

Além daquela estabelecida, César apontou para um outro tipo de censura que surgiu na época: a auto-censura, que fazia com que o autor da peça pensasse duas vezes cada vez que colocasse na sua obra algum termo que pudesse dar discussão entre os censores. Essa auto-castração também atingia atores e produtores de teatro. Alguns autores, como Plinio Marcos conseguiam confrontá-la, segundo Vieira.

O diretor afirmou que hoje não existe a censura institucional, mas existe uma "censura econômica". Ele a classificou como "mais violenta, mais terrível e mais massacrante" que àquela dos anos 60, pois submete o teatro às leis de mercado. César apontou para o fato de apenas a cidade de São Paulo ter uma lei, no mínimo, satisfatória com relação ao financiamento de apresentações teatrais: a lei do fomento.

Vieira criticou a vigoração da lei Rouanet, que permite a apresentação de peças como Miss Saigon e O Fantasma da Ópera, peças que já vem montadas, e pasteurizadas, na visão do diretor. César ainda criticou o preço delas, "mais de meio salário mínimo" e apontou que as empresas financiadoras já receberão o dinheiro investido na peça, pela lei supracitada, por isso, não precisariam cobrar um preço tão alto nos ingressos.

César ainda rememorou os acontecimentos da época como, por exemplo, a repressão ao Congresso da UNE, em Ibiuna, que ocorreu em outubro de 1968. Contou que foi chamado para defender muitos estudantes que estavam presentes nesse congresso. César afirmou que 1968 foi o "golpe dentro do golpe": a ditadura se cristalizou.

"Toda a ditadura que se instala, desde os gregos até hoje, o primeiro inimigo, por 1001 motivos que eles encontram, que atacam e tentam destruir é o teatro", disse Vieira, que tentou explicar o porquê desse ato: "Talvez seja porque o teatro é direto (...) é um personagem falando a sua realidade, olho no olho, transmitindo alguma coisa, dizendo alguma coisa, questionando coisas e colocando opções."

Como não podia faltar, César contou um fato engraçado ocorrido durante a censura de uma de suas peças, o monólogo "Whisky para o rei Saul", quando o censor mandou "cortar" a palavra testículos da peça. O que gerou uma notícia com os seguintes dizeres : "peça em que rei Saul foi castrado por um censor".

Por fim, vieira afirmou que a luta continua hoje em dia, mesmo com um "inimigo velado". E que, o teatro é "um ato de amor, e, mais do que tudo, vai ser sempre um ato de rebeldia".

Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda : a conjuntura que levou à 1968


Professora Maria Arminda Arruda: em países periféricos: "Há uma atmosfera libertária em 68"

A Profª Drª Maria Arminda do Nascimento Arruda classificou os acontecimentos de 1968 como um "grande evento histórico", e os comparou à 1848, o ano em que surgiram o feminismo, a idéia do povo como trabalhadores socialistas e a figura de Baudelaire. Assim, baseada na história, a professora começou a expor a parte que lhe competia da mesa redonda.

Maria Arminda procurou mostrar que, apesar de terem acontecido no mesmo ano, e sob uma atmosfera parecida, uma "atmosfera libertária" , os acontecimentos na França e no Brasil tiveram motivações e trejeitos diferentes. Enquanto no primeiro país a participação dos estudantes era massiva, no outro houve uma grande participação de trabalhadores. O enfrentamento dos problemas do Brasil eram mais visados que "as questões diretamente comportamentais", como foi no caso do movimento de 68 nos EUA.

Uma chave fundamental para se entender a conjuntura política, social e cultural de 68 no Brasil é, logicamente, o golpe militar de 1964. E toda a atmosfera que rondou o golpe foi inaugurada nos anos 50, principalmente do ponto de vista cultural. A professora apontou para o "novo período modernista" por qual o teatro passou após a criação do TBC, em 1948; citou ainda o trabalho de dois autores da época, Nelson Rodrigues e Jorge Andrade. Segundo ela, "o teatro é um gênero adequado às expressões políticas e sociais".

O conflito pelo qual o teatro passou em 64 é anterior a este período. A professora afirmou que "a datação das diferentes esferas da cultura é diferente da datação da política, embora tenham confluências"; ou seja, as tensões entre a visão de teatro já existiam, mesmo antes de 64. E permaneceram depois do golpe, o que culminou numa das épocas mais criativas do teatro brasileiro.

Maria Arminda afirmou que o AI-5 é parte de uma cultura em ebulição. O congresso da UNE, segundo a professora, foi o estopim, mas houve diferentes formas de repressão à cultura até então. Ainda sobre a cultura, Arminda provou que a frase de Robert Schwartz sobre o Brasil entre 64 e 69 "Parece que o Brasil ficou mais inteligente" não era um paradoxo, não do ponto de vista cultural. "Esse período inteligente não pode ser entendido sem a referência ao projeto moderno anterior, que não suprimiu todas as virtualidades contidas nas suas promessas em função das tensões internas da cultura"., tais tensões, segundo a professora, provém da precariedade do moderno em um país tão desiquilibrado quanto o Brasil, que de um lado oferece uma cultura viva e densa, e de outro mostra um "déficit democrático e político".

A professora terminou sua exposição, lendo um parágrafo que versava sobre o pós-64 e o pós-68, no contexto da modernidade, e da escolha que a cultura moderna capitalista teve que fazer entre o recuo ou o aprofundamento da dominação da indústria cultural. E terminou afirmando : "Voltar nesse tema [de 1968] é, sobretudo, pensar os nossos empasses".

Prof. Dr. Sérgio de Carvalho: análise de "Roda Viva"


Professor Sérgio Carvalho demonstrou as críticas presentes no texto de Chico Buarque


O Prof. Dr.Sérgio Carvalho usou seu tempo no debate para aprofundar as visões de Roda Viva como texto teatral e como obra musical. Isso porque segundo o professor, a agressão que "ela" sofreu e a encenação agressiva que Zé Celso criou para a peça, acabam por abafar as discussões sobre a obra em si (ler mais sobre a peça no último tópico dessa postagem : Contexto e a temática do debate).

Sérgio, primeiramente, apontou para o uso oblíquo que Zé Celso fez do coro da peça. Zé Celso transformou o coro num coro agressivo, contra-cultural, quase antropofágico, nas palavras do professor: "[Zé Celso]deslocou a função dramaturgica que ele [o coro] tem". Na encenação da peça o coro andava por entre as fileiras e interagia, às vezes de forma irônica, Às vezes de forma violenta, com a platéia. Já no texto, o coro traz uma "polifonia de vozes estranhas" ao discurso da peça. O professor apontou que o coro construído por Buarque ia desde um coro ultra-conservador, até um contra-ponto lúcido do processo que está em curso.

A peça conta a história de Benedito da Silva, um cantor que foi convertdido para ser um cantor de massa, se transformando em Ben Silver. Assim, o cantor passa a fazer parte, efetivamente, da Indústria Cultural, ele se torna "uma mercadoria. No primeiro ato, Ben Silver, com ajuda de um anjo, que faz as vezes de produtor, e de um capeta, que faz as vezes da mídia, consegue atingir o sucesso, mas é confrontado por seus amigos e por sua namorada que se recusam a observar tal mudança de homem para função. Benedito da Silva era um homem, Ben Silver é uma mercadoria, assim explicou Sérgio Carvalho.

No segundo ato, Ben Silver enxerga-se derrotado, e começa a perceber quais são as engrenagens daquilo que participa. Para não deixá-lo sem sucesso algum, o anjo tem uma idéia: transformá-lo em "Benedito Lampião", um cantor nacional popular, brasileiro de raiz pura. De qualquer forma, o sucesso já não era mais garantido, e Ben Silver, ou Benedito Lampião, não agrada ao capeta, nem aos fãs que, literalmente, o matam. Na verdade, a peça mostra que ele foi trocado, e não morto. Foi trocado por sua esposa, Juliana, que se transformou numa cantora "hippie".

O professor apontou para a semelhança entre a estrutura da peça, com a estrutura do teatro religioso alegórico da Idade Média, em que também se existiam um anjo, um capeta e um herói que se via em perigo, e era salvo porque seguia os conselhos do anjo. Apeça, segundo Sérgio, se vale de muitos recursos alegóricos e paródicos, alguns deles conhecidos como a sátira e a marchinha.

Por ser músico, Chico Buarque criou um segundo nível de ironização e de desvio do discurso textual na harmonização e nos aspectos melódicos das músicas da peça."No estilo musical e melódico de Roda Viva se tem a chave para entender o teatro de Chico Buarque ", disse Sérgio Carvalho um pouco antes de explicar como o uso da música que deu nome à peça conseguiu unir todos esses aspectos.

De acordo com o professor,"Roda Viva estabelece uma imagem sistêmica da indústria cultural" quando mostra um cantor passando por dois processos mercantis, ou seja, processo em que a pessoa se transforma numa mercadoria. A peça, dessa maneira, se mostrou um retratro contundente do espaço cultural brasileiro, e daquilo que se imaginava ser a cultura massificada do país.

Sérgio terminou sua apresentação, lendo uma parte do livro "Verdade Tropical", escrito por Caetano Veloso, em que o cantor critica a posição de Chico Buarque, e a classifica como "ingênua, e de puro "bom-mocismo".

Valmir Santos: o Teatro de Agressão hoje em dia


Valmir Santos (primeiro da esq. p/ a dir.) tentou mostrar como o Roda Viva seria visto hoje em dia

O jornalista Valmir Santos se valeu de dois exemplos atuais para explicitar a visão que as pessoas tiveram da encenação de Roda Viva em 1968. Mas, para isso, precisou colocar em perspectiva o conceito de "teatro de agressão", usado por Anatol Rosenfeld em sua crítica à peça.

Zé Celso criou uma passarela entre o palco e a platéia, por onde os atores do coro passavam, e assim, interagiam com a platéia. Essa interação, era, porém, agressiva. O que fez com que Rosenfeld usasse tal designação para a peça. Rosenfeld achou que a encenação de Roda Viva se encerrava em si mesma, não criava nennhum conflito externo, por isso, a sua agressividade apenas deixava o público anestesiado.

Para mostrar as duas facetas do Teatro de Agressão, Valmir se valeu de dois exemplos: um em que a proposta era feita de maneira a levar a platéia a um questionamento; e outra em que a agressividade era apenas um recurso para deixar a platéia mesmerizada e anestesiada.

O primeiro é o Trabalho do grupo Teatro da Vertigem, na peça Apocalipse 1,11 (foto a dir.), encenada em 2000 no antigo Presídio do Hipódramo, em São Paulo; há no título d apeça uma alusão ao massacre do Carandiru em 1992, em que 11 presidiários morreram. O jornalista esmiuçou a cena da boate Nova Jerusalém, que é um espaço em que se flagram muitas personagens e temas: "um apresentador que é uma besta travestida, interafindo com uma personagem da Babilônia, uma mulher prostituida, uma cena de ligação ao negro, uma cena de sexo explícito por um casal profissional, outra cena em que há um pastor evangélico bem alterado na sua posição de arrebanhar seus seguidores fiéis". Partes da Constituição Brasileira são lidas por uma mulher gaga. Valmir arremata :"a cena é interrompida, é desmontada, por um ataque dos anjos revoltosos que chegam (...) empurrando os atores que estão ali como personagens e o próprio público, empurrando-o para a parede".

Essa peça, segundo o jornalista, produz um choque cultural. É um "teatro de agressão em que a afirmação simbólica da teatralidade está imposta, colocada, e, de alguma forma, está trans-criando e trans-cruzando o ator e o público", afirmou Valmir.

O segundo exemplo é de como esse tipo de teatro foi "re-embalado, refeito e apresentado de uma forma mais agradável". É o caso do espetáculo Fuerza Bruta (foto à esq.), do grupo de teatro Argentino, . O jornalista disse que o espetáculo é "bastante radical na interação com o público, na ocupação do espaço aéreo", mas que o discurso apropriado pela publicidade para vender o espetáculo se vale do anestesiamento de forma "sem vergonha". Segundo Valmir, quando um espetáculo desse tem um ingresso de 120 a 150 reais, e se tem um público tão delimitado, dá para se entender o que que Anatol Rosenfeld quis dizer com o anestesiamento causado pelo Teatro de Agressão.

Valmir terminou sua explicação com um questionamento, tirado da música Roda Viva : "A gente estancou de repente, ou foi o mundo então que cresceu?"


Sérgio Salvia Coelho: a provocação e o contraponto da barbárie

Sérgio Coelho (de vermelho) questionou a devolução dos prêmios Saci pela classe teatral em 1968

O crítico teatral e diretor do Teatro da Lucidez, Sérgio Coelho, pretendeu em sua fala mostrar os ângulos diferentes sobre os acontecimentos que abalaram a classe teatral no ano de 1968. Além de apresentar a opinião de Anatol Rosenfeld, provou, usando palavras de Zé Celso, que o ataque ao Roda Viva não fizeram dos formadores do espetáculo, vítimas; e ainda leu a nota do Estado de S. Paulo que deu tanta polêmica entre a classe artística nesse ano.

Sérgio tentou fazer uma linha dos acontecimentos desde 18 de julho, até 13 de dezembro de 68. Ou seja, desde o ataque ao Roda Viva até a instituição do AI-5. Mesmo assim, o crítico passou por uma data antes dessas duas previstas: 11 de junho. Nesse dia, o jornal Estado de S. Paulo publicou uma nota que comentava sobre a manifestação do deputado Aurélio Campos, segue abaixo, o trecho que Coelho leu:

"(...) Foi uma oportuna manifestação a que se registrou recentemente na Assembléia Legislativa, pela palavra do deputado Aurélio Campos, sobre os excessos que se tem verificado em representações teatrais no terreno do desrespeito aos mais comezinhos preceitos morais. O mundo teatral ? tanto os atores e atrizes como os autores ? vêm movendo uma campanha sistemática contra a censura, e como esta nem sempre é exercida por autoridades à altura de tão graves e, às vezes, tão delicadas questões, a tendência de muitos é cerrar fileiras entre os que combatem. O que na censura geralmente se vê é uma ameaça à liberdade, o que assume a feição particularmente antipática quanto à liberdade ameaçada é a artística. Carradas de razão, entretanto, teve o parlamentar acima referido ao assinalar, a propósito de peça teatral a cuja representação assistira, que a censura, longe de se mostrar rigorosa no escoimá-la de seus exageros mais escandalosos, o que revelou foi uma complacência que não pode deixar de ser severamente criticada.(...)"

Tal nota provocou uma reação agressiva da classe teatral, que se viu atacada pelo fato de o jornal não ter colocado tla nota na sessão de opinião. Por não se tratar de uma matéria assinada, o crítico afirma que, pareceu aos artistas que a noticia informada era uma opinião do jornal inteiro.

Assim, os artistas não pensaram duas vezes antes de devolver os prêmios Saci, que o Estado distribuia todo final de ano, desde 1951. Tal ação provou outra reação inesperada: Décio de Almeida Prado parou de escrever críticas teatrais no jornal.

Sérgio argumentou que uma parcela da população se via agredida com a nota, e que outra parcela, se via agredida com o uso de palavrões nas peças. A simbologia do prêmio, para aqueles que devolveram era outra, não significava mais apenas o repúdio à nota favorável à censura; significava uma recusa a se colocar no jogo mercanti, representado pela burguesia que entregava tal prêmio, no olhar dos artistas.

O crítico teatral passou a citar, então, outro: Anatol Rosenfeld, em suas críticas sobre o Roda Viva. O termo Teatro de Agressão foi usado primeiramente pelo próprio Zé Celso, em uma entrevista dada um pouco antes da peça sair em cartaz. O diretor afirmou nessa mesma entrevista que a agressão tinha que ir além do sibólico, tinha que romper o padrão de bom comportamento e bom gosto; "tinha que agredir fisicamente a platéia".Rosenfeld ironiza tal postura do Zé Celso ao questionar a eficiência dessa prática de agressão direta ao público para a causa comum da intelectualidade e dos artistas.

Anatol ainda ironizou ao dizer que em Roda Viva "o público burguês não é atacado e nem ferido", já que este é aquele que pode pagar pelo ingresso. Ele ainda afirma que essa pela reafirma os atos burgueses. O público da peça era o mesmo que era criticado nela: "as meninas que iam ver uma peça de Chico Buarque", que permitiam a existência de ídolos e da idolatria. Dessa forma,na opinião de Rosenfeld, Zé Celso usou a tal estratégia de agressão para conquistar a platéia. Anatol acreditava que o teatro de agressão cumpre bem o seu papel quando aquelas pessoas que não se sentem tocadas pela peça, levantam e saem do espetáculo.

Sérgio ainda leu alguns depoimentos de Zé Celso sobre o uso da agressão nas suas montagens. Sérgio afirma que Zé Celso queria fazer uso da violência como "um princípio supremo " no lugar de apenas um elemento estético. O diretor afirmava que uma peça, para continuar chocante, tinha que extravasar do uso de palavrões e gestos, e passar para as "vias de fato".

A declaração mais polêmica lida por Sérgio, feita por Zé Celso, pouco tempo antes da invasão do Roda Viva, foi essa: "A companhia tem que nutrir duas esperanças contraditórias: primeira, por razões de eficácia e orgulho profissional, a de que um público vigorosamente provocado responda com vigor; segundo, por razões financeiras, é de que haja um númerro bem maior de espectadores que atores de modo que estes apanhem violentamente". Então, Sérgio arrematou "se o CCC tivesse levantado durante a peça e começado a espancar os autores, teria sido o público ideal de Zé Celso", ou seja, ó público que reage apaixonadamente ao tema da peça.

O crítico terminou sua apresentação afirmando que 68 foi o ano em que o teatro perdeu a crítica, e que parou de existir um dialogo entre artistas e pensadores, e passou a existir apenas um "messias que indica para platéia o que é certo e o que é errado. E esse foi um risco muito grande a se pagar", completou Sérgio.

Contexto e temática do debate:

A peça (e musical) Roda Viva (foto à esquerda), de autoria de Chico Buarque de Holanda, foi encenada durante o ano de 1968. Sob a direção de José Celso Côrrea, o mesmo diretor de O Rei da Vela, e com os atores do Teatro Oficina, a peça se mostrou agressiva e manteve o tom das montagens anárquicas de Zé Celso. O enredo mostra a trajetória de Benedito Silveira, um cantor que se tornou ídolo da música pop sob o nome Ben Silver, desde a sua ascensão até seu aniquilamento pelas mesmas engrenagens do showbiz que o tinham fabricado.


Em 18 de Julho de 1968, logo após a apresentação da peça, o galpão do Teatro Ruth Escobar (SP) "(...)foi invadido por cerca de vinte elementos armados de cassetetes, soco-inglês sob as luvas, que espancaram os artistas, sobretudo as atrizes, depredaram todo o teatro, desde bancos, refletores, instrumentos e equipamentos eletricos até os camarins, onde as atrizes foram violentamente agredidas e seviciadas(...)" (Trecho retirado da notícia "Invadido e depredado o Teatro Galpão" publicado no jornal Folha de S. Paulo, um dia depois do ocorrido).


No contexto político, o Brasil vivia a ditadura militar, instalada no ano de 1964. No final de 1968, mais precisamente, no dia 13 de dezembro deste ano, o presidente Costa e Silva baixou o Ato Institucional Nº 5 (ou, simplesmente, AI-5) que endureceu a ditadura militar, e estipulou o fim da liberdade de expressão do período. O Ato, entre outras ações, fechou o Congresso Nacional, suspendeu a possibilidade de qualquer reunião de cunho político e reestabeleceu a censura prévia de peças, músicas, filmes e novelas.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Professoras do Arquivo Miroel Silveira lançam suas publicações durante Seminário



As professoras Cristina Costa, Mayra Rodrigues Gomes e Roseli Figaro, coordenadoras do projeto temático do Arquivo Miroel Silveira lançaram suas respectivas publicações, com o apoio da Fapesp, durante o segundo dia do Seminário.

As três publicações foram produzidas a partir dos estudos realizados no Arquivo, na ECA-USP.

Cristina Costa organizou Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro (Editora Annablume), que conta com uma série de entrevistas realizadas com personagens envolvidas no meio teatral e de censura: a autora Renata Pallottini, o censor Coelho Neto, o diretor Zé Celso, entre outros.

Mayra Rodrigues Gomes lançou, em parceria com suas bolsistas, pesquisadoras do Arquivo, Palavras proibidas. Pressupostos e subtendidos na censura a peças teatrais (Editora BlueCom), que analisa como se dava o processo de censura das palavras nas peças teatrais e como isso se relaciona com a noção de discurso e “palavras proibidas”.

Roseli Figaro lançou Na cena paulista, o teatro amador. Circuito Alternativo e popular de cultura (1927-1945) (Ícone), sobre as atividades dos grupos de teatro popular e amador, formados por imigrantes e trabalhadores, também censurados.

Censura na Ditadura e teatro político são debatidos no segundo dia de evento

Após encenação de peça, cerimônia de abertura e palestra fazem o segundo dia do evento

Uma cerimônia de abertura e uma palestra sobre a censura teatral na segunda-feira, dia 13, deram continuidade ao Seminário “1968: Liberdade e Repressão”, organizado pelo Arquivo Miroel Silveira.

Estavam presentes na mesa de abertura Maria Luiza Marcilio, presidente da comissão de direitos humanos daUSP; Luiz Augusto Milanesi, diretor da ECA-USP; Luiz Fernando Ramos, dramaturgo, crítico de teatro e professor da ECA-USP; Gabriel Borba, do Museu de Arte Contemporânea da USP; Rosa Iavelberg, diretora da Centro Universitário da Maria Antônia da USP; e Cristina Costa, professora da USP e coordenadora do projeto temático do Arquivo Miroel Silveira.

Momento para refletir 1968 e seus significados


Após 40 anos, o ano de 1968 ainda permanece na memória da sociedade pelo fato de profundas transformações sociais, políticas e históricas terem se corporificado em momentos-símbolo naquele ano. O principal debate girava em torno do futuro da humanidade e qual proposta era a mais indicada para o bem-estar da humanidade: capitalismo ou socialismo.

Desse ponto decorrem grandes vertentes, mas uma delas é o debate político e da sociedade trazido para a Arte. Mas à ela se contrapõe a repressão, a força coercitiva a favor da manutenção do poder e valores vigentes e que visa reprimir a força de uma manifestação cultural na formação social.

Liberdade e Repressão. É a partir dessas duas palavras, ao mesmo tempo opostas e irmãs, antônimas mas complementares, que o Seminário do Arquivo Miroel Silveira decidiu promover um evento que debatesse esse tema: a liberdade e a repressão no teatro brasileiro e como se relaciona com as transformações histórico-sociais e culturais da sociedade brasileira.

Cristina Costa introduziu a todos os presentes a história do Arquivo Miroel Silveira e como o núcleo de pesquisa se configura atualmente. Em 1968, a censura deixa de ser em âmbito estadual e passa a ser federal. Em 1988, com o fim da Ditadura, quando estavam prestes os processos arquivados a ir para o lixo, o professor da ECA, Miroel Silveira, decide se responsabilizar por eles, armazenando-os na ECA.

Durante anos, os mais de seis mil processos de censura teatral permaneceram esquecidos, até que Cristina Costa tomou conhecimento deles e logo surgiu a idéia de toda uma pesquisa ao redor das peças, explorando todas as vertentes sociais, históricas e comunicacionais que ali estavam latentes. Chamou, para a concretização de tal plano, as professoras Mayra Rodrigues Gomes e Roseli Figaro. E a partir desse projeto inicial surgiu o projeto temático, que há anos vem trabalhando no sentido de explorar todas as informações contidas nos processos das peças.

Para Cristina, ao se analisar as peças censuradas presentes do Arquivo, dá-se conta da presença na época de um conservadorismo tacanho, de um autoritarismo e de um desrespeito à autoria. “Era um jogo de poder, com o intuito de intimidar, fazer o autor saber que tudo o que pensasse e escrevesse seria analisado”.


Ela conta que os censores se davam o poder de dizer o que a sociedade podia saber e o que não podia. A professora ainda afirmou que é assustador ver como a sociedade aceita a censura em suas diversas manifestações, se sentindo mais confortável e protegida.

Introduzindo a reflexão

O debate acerca da relação entre liberdade e repressão foi proposto já na mesa de apresentação. Maria Luiza Marcilio lembrou que a liberdade é um dos fundamentos dos Direitos Humanos e fez um apelo: “nós brasileiros não podemos aceitar qualquer tipo de censura ou repressão”.

Já para Luiz Fernando Ramos, o teatro é a arte mais censurada ao longo da história por ter um caráter presencial, com um contato direito entre o público e o artista. Para o estudioso do teatro, as peças preservadas no Arquivo Miroel Silveira contém todo um conhecimento latente, investigado atualmente e a ser investigado pelas próximas gerações.

Censura e teatro político

Iná Camargo Costa, professora da FFLCH-USP e especialista em dramaturgia nacional e teatro épico, foi quem deu a primeira palestra do Seminário. Ela comentou brevemente sobre a censura no teatro de um modo geral e logo refletiu sobre o real significado de um teatro político.

A professora fez questão de lembrar que durante muito tempo o Brasil sofreu com a censura nas Artes, não só na época da Ditadura, e somente há 20 anos que não há mais a censura no País. Mas frisou: “Já é uma conquista o fato de hoje podermos falar sobre a censura”, como era justamente o caso do Seminário.

A professora afirmou que a burrice dos censores era tremenda, não havia preparo técnico nem embasamento cultural da parte deles. Num momento de descontração, contou a todos a história do delegado que exigiu que o autor da peça que acabara de ser censurada se apresentasse imediatamente para se explicar. O único problema era que o autor, no caso, era Sófocles, famoso autor da Grécia Antiga.

Para ela, o marco do teatro político no Brasil foi “Eles Não Usam Black-Tie”, de Gianfrancesco Guarnieri. “Foi o limite da forma do drama na época”, comenta.

Já a censura sempre esteve de olho na atividade teatral. Tanto é, Iná conta, que em 64, a primeira ação da Ditadura foi tacar fogo no prédio da UNE (União Nacional dos Estudantes), que naquele exato dia inauguraria seu teatro. Para Iná, isso foi a maior prova de que a Ditadura temia o poder transformador e revolucionário do teatro político.

Ela ainda ressaltou que é preciso perceber que há o teatro político de verdade e o pseudo. O de verdade, conta, prima pelo respeito ao interlocutor, pela integridade física e mental dele e que se propõe a conversar de igual para igual. Um teatro que oprime o espectador não faz nada de diferente da Ditadura que torturava e amedrontava.

Fotos do espetáculo "A Lenda de Sepé Tiaraju"
















segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Teatro popular censurado na Ditadura abre Seminário

Em meio à reflexão sobre liberdade e repressão, peça de teatro popular fala de justiça


"E
que naquela praça, Justiça se faça!"
(Parte da primeira canção de "A Lenda de Sepé Tiaraju")

No domingo, 12, aconteceu a abertura do Seminário 1968: Liberdade e Repressão, no Teatro Popular União e Olho Vivo.

Antes da apresentação da peça "A Lenda de Sepé Tiaraju", o dramaturgo e diretor César Vieira, deu uma coleção de Livros do TUOV à Cristina Costa, Iná Camargo Costa e ao adovogado Takao, que o defendeu durante a época da ditadura.

"Não vou falar mais nada, o importante é o que vai acontecer", disse Cristina ao agradecer César Vieira e aos "companheiros da ECA" que ajudaram a organizar o Seminário. Iná Camargo, por sua vez, procurou ressaltar a importância do TUOV como um símbolo de resistência. Ela afirmou que o grupo mantém viva a "memória da luta", assim como este seminário.

César Vieira completou afirmando que o acompanhamento do seminário é bastante importante para "questionar e ficar sabendo sobre repressão e liberdade, principalmente a geração mais nova".

A peça começou forte, com uma canção sobre Justiça, e seguiu durante todos os seus 55 minutos, provocando sentimentos igualmente fortes nos espectadores. As canções em tupi deixaram a todos perplexos; a versatilidade do cenário e do figurino, algo imprescindível para um teatro de Rua, provou-se eficaz mesmo dentro de uma sala de teatro.



O enredo versa sobre a luta dos índios guaranis contra a dominação territorial e cultural de espanhóis e portugueses na área dos Sete Povos das Missões, no Rio Grande do Sul. Dentro dessa luta, a resistência cultural e o pedido de justiça dos índios, vencidos. A peça mostra bem as crenças e hábitos dos índios daquela época (por volta de 1760), assim como, de maneira caricata, consegue mostrar as figuras dos juízes e comerciantes "estrangeiros".

A arte consegue levantar grandes discussões e ainda ser bela. Dessa forma, o seminário não poderia ter escolhido maneira melhor de começar: misturando música, teatro, liberdade e resistência.


sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Peça censurada durante a Ditadura ganha encenação durante o Seminário

Preste a ser vendida, uma cabra come o dinheiro de seu comprador. De quem é a cabra agora? A partir desse impasse, Deolino, Filinto e outros moradores de uma pequena cidade de Minas Gerais se envolverão num conflito que, na verdade, é uma profunda reflexão sobre a propriedade privada.

Esse é o enredo de O Crime da Cabra, de Renata Pallotini, peça que será encenada no dia 14 de outubro, como parte do Seminário 1968: Liberdade e Repressão, promovido pelo Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP. A apresentação conta com direção de Elvira Gentil.


A peça foi escrita em 1964, primeiro ano da Ditadura Militar no Brasil, mas problemas naquele ano a impediram de ser encenada.

"Eram os primeiros anos da ditadura; a peça sofreu as conseqüências diretas da tirania; estava pronta para ser encenada pelo Serviço Nacional de Teatro, com direção de Ademar Guerra, para uma turnê nacional. Mas foram-se o SNT, e seu Diretor, Roberto Freire , perseguido e condenado", conta a autora.

Apenas em 1965 a peça conseguiu ser liberada. Encenada, conseguiu o 1º Prêmio Molière.

A peça, pelo fato de ter sido censurada em 1964 em São Paulo, está presente no Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP, que conta com mais de seis mil peças censuradas em São Paulo, de 1930 a 1970.

À época, a censura era prévia: toda peça a ser encenada deveria passar pela censura, do Departamento de Diversões Públicas (sim, para o Estado, teatro era diversão pública, não arte). Desse modo, uma cópia da peça deveria ser mandada para os censores.

A partir daí, os caminhos eram muitos: liberação da peça, restrição quanto à faixa etária, corte de palavras, expressões, frases ou até mesmo páginas e, o pior caminho, a censura total, proibição de a peça ser encenada.


O Crime da Cabra passou pela censura do governo de São Paulo. O pedido de censura é da atriz Nydia Licia e data de novembro de 1965. Ela pede (ver fotos) que censurem a peça, a ser apresentada no Teatro Bela Vista.

Após análise do censor Nestório Lips, a peça foi liberada, com somente uma restrição: proibida para menores de 14 anos. A explicação do censor vem com um parecer, destinado ao chefe do Departamento:


"Na qualidade do censor responsável da comédia em três atos "O Crime da Cabra", a ser levada à cena no próximo dia 3 de dezembro, no Teatro Bela Vista, pela Companhia Nydia Licia, informo à V.S. que apliquei à referida a proibição até 14 anos, tendo em vista uma expressão que não me permitiu liberá-la, mas que é admissível em tal proibição."


Que a peça é provocante, não podemos negar: por trás de uma cabra, há a discussão do direito à propriedade privada e uma crítica ao poder imposto pelos latifundiários.

Mas os censores, em sua maioria, não eram treinados para fazer o que faziam: eram pessoas comuns, funcionários públicos, e, portanto, não tinham malícia suficiente para interpretar o enredo, ver nas entrelinhas. Eles se prendiam à superficialidade do discurso, ou seja, somente às palavras que os olhos captavam: palavrões, expressões chulas ou nominações de autoridades e/ou instituições eram cortados.

Entretanto, críticas que só ganham coerência na totalidade do discurso passavam despercebidas na maioria das vezes.

Sorte do Teatro!

Quando: 14 de outubro, terça-feira, às 20h
Onde: Teatro Laboratório da ECA-USP, Sala Miroel Silveira

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O teatro popular e a censura

Grupo de teatro popular que sofreu com censura em 1968 abre Seminário com encenação

O grupo Teatro Popular União e Olho Vivo irá apresentar, no dia 12 de outubro, a peça A Lenda de Sepé Tiaraju. A encenação abrirá o Seminário 1968: Liberdade e Repressão, organizado pelo Arquivo Miroel Silveira, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP.

A peça conta a história do índio Sepé Tiaraju, um dos vários guaranis julgados à época do Brasil Colonial por terem desrespeitado o acordo luso-espanhol de abandonarem suas casas e cederem aos colonizadores das missões jesuíticas.

Essa encenação insere-se no âmbito das atividades do Seminário, que pretende promover reflexões e debates acerca do conturbado ano de 1968, cujos conflitos e contradições culminaram, no Brasil, com a promulgação do Ato Institucional nº 5, que endureceu ainda mais a perseguição durante o Regime Militar.

O grupo TUOV sofreu com a censura e a repressão na época pelo fato de ser um teatro popular que destacava a cultura popular, cujas idéias desagradavam uma elite hipócrita e iludida com uma sociedade "branca" e sem problemas, ao molde do exterior.


Nesse sentido, as artes sofreram com a repressão intelectual e ideológica promovida pela Ditadura que as via como uma fonte perigosa de comunicação, de deciframento do código social, o que levava à reflexão, ao pensamento, à produção de conhecimento e a uma visão crítica da sociedade. Desse modo, a censura procurava coibir, intimidar, dificultar essa comunicação entre o conhecimento e o povo.

O teatro no Brasil, desde o final dos anos 50, começara a busca por uma identidade nacional, uma arte que refletisse os anseios do povo brasileiro e não falseasse suas idéias a partir do consumo do que vinha de fora. O Teatro de Arena foi o pioneiro nesse sentido, inserindo temas brasileiros nas peças e colocando uma parcela da sociedade que a elite queria esconder: o índio, o negro, o pobre. Foi seguido pelo Opinião e pelo Oficina.

O TUOV nasceu em plena Ditadura Militar (1966) e, contrariando a lógica, já que a repressão foi intensa a partir de 1968, resistiu à censura, permanecendo em pleno funcionamento até os dias de hoje.

Se a grande dor de cabeça do Arena foi como se tornar, de fato, um teatro popular, visto que integrantes do teatro à época, em especial Vianinha, se auto-criticavam dizendo que apesar de todo o esforço do grupo de promover uma reflexão da sociedade brasileira e de criar contato com o povo, o pequeno teatro da Teodoro Baima não conseguia dar conta desse contato de maneira efetiva, o TUOV conseguirá efetivar esse contato com o povo, fazendo disso sua característica mais marcante.

Desde sua estréia, manteve a idéia de colocar a cultura brasileira no palco (o carnaval, as tradições regionais, o futebol, a literatura de cordel, o bumba-meu-boi), mas procurou também levar essa cultura até quem a produz, ou a quem, por desigualdades que envolvem aspectos socioeconômicos, não tem acesso a ela.

O TUOV, até hoje, leva sua arte até a periferia paulistana e as comunidades carentes da Grande São Paulo. E com isso consegue cumprir seu papel de teatro não profissional que vai até setores sociais que, historicamente, não têm acesso à produção cultural.

A Lenda de Sepé Tiaraju, que promove uma reflexão acerca da colonização brasileira, é produto fiel de um teatro que nasceu no bojo da Ditadura e colocava o povo no palco, sem medo. È um filho legítimo de teatro popular.

A Lenda de Sepé Tiaraju
Dia 12 de outubro, às 17h.
Rua Newton Prado, 766. - Bom Retiro. Teatro União e Olho Vivo

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Programação


12/10, domingo

Apresentação Teatral
O Teatro Popular União e Olho Vivo, em atividade há mais de 40 anos, apresenta a peça A lenda de Sepé Tiaraju, em seu teatro no Bom Retiro. O espetáculo é um musical que conta a vida do cacique guarani, líder dos sete povos das missões, morto por militares espanhóis.
Quando: às 17h
Onde: Rua Newton Prado, 766. Bom Retiro

13/10, segunda-feira

14h - Abertura
A conferência de abertura contará com a Profa. Dra. Iná Camargo Costa, da FFLCH-USP.

16h- Lançamento de livros
As professoras que coordenam o projeto de pesquisa do Arquivo Miroel Silveira ECA-USP lançarão suas mais novas publicações sobre a censura teatral.
-Maria Cristina Castilho Costa é a organizadora de Censura, repressão e resistência no teatro brasileiro (Editora Annablume);
-Mayra Rodrigues Gomes lança Palavras proibidas. Pressupostos e subtendidos na censura a peças teatrais (Editora BlueCom);
-Roseli Figaro é a coordenadora de Na cena paulista, o teatro amador. Circuito Alternativo e popular de cultura (1927-1945) (Editora Fapesp/Ícone).

Logo após os lançamentos, haverá um coffee break.

Onde: Auditório do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC-USP) - Cidade Universitária, Butantã.

14/10, terça-feira

14h - Debate 1 - Roda Viva
O debate refletirá acerca da conjectura social, política e cultural de 1968 e sobre os fatores que levaram ao acirramento da censura e à decretação do AI-5. A mesa contará com Cristina Costa (ECA-USP), César Vieira (diretor do Teatro União e Olho Vivo), Maria Arminda do Nascimento Arruda (FFLCH-USP), Sérgio Salvia Coelho (diretor do Teatro da Lucidez), Valmir Santos (jornalista e mestrando da ECA-USP) e Sérgio de Carvalho (ECA-USP)

16h30 - Debate 2 - Esta noite falamos de medo
O debate discutirá o impacto da censura sobre a produção teatral, focando as mudanças comportamentais e estéticas do campo cultural paulista de 1968. A mesa contará com Marco Antônio Guerra (ECA-USP), Nydia Licia (atriz), Carlos Fico (História - UFRJ), Maria Thereza Vargas (escritora) e Renata Pallottini (autora).

Onde: Auditório Lupe Cotrim da ECA-USP
(entre os debates haverá um coffee break)

20h - Apresentação teatral
O Arquivo Miroel Silveira organiza a apresentação de O Crime da Cabra, sobre uma cabra que come o dinheiro de sua venda. A peça, de autoria de Renata Pallottini, integra o acervo do Arquivo Miroel Silveira de peças censuradas.

Onde: Teatro Laboratório da ECA-USP, Sala Miroel Silveira

15/10, quarta-feira

14h - Debate 3 - O filho do cão
O debate refletirá sobre as tensões da década que moldaram as representações sociais no teatro paulista de 1968. A mesa contará com Roseli Figaro (ECA-USP), Francisco Alambert (FFLCH-USP), José Renato Pécora (diretor teatral), Ferdinando Martins (AMS, ECA-USP) e João Quartim de Moraes (Unicamp)

16h30 - Debate 4 - Bang bang
A relação entre os meios de comunicação de massa e a produção teatral e o intercâmbio de linguagens e propostas é o tema dessa mesa-redonda. Ela contará com Mayra Rodrigues Gomes (ECA-USP), Jefferson Del Rios (crítico teatral), Marcelo Ridenti (Unicamp) e José Eduardo Vendramini (ECA-USP).

18h30 - Encerramento,
com as coordenadoras dos projetos de pesquisa em torno do Arquivo Miroel Silveira da ECA-USP.

Onde: Auditório Lupe Cotrim, ECA-USP
(entre os debates haverá um coffee break)

Seminário debate censura em 1968


O ano de 1968 é considerado um dos anos mais fecundos para a produção cultural. Por outro lado, é também um marco na história da repressão e censura no Brasil, ano de promulgação do AI-5, federalização dos serviços de censura e explosão de movimentos sociais e estudantis.

Sob a ótica de trabalhos dedicados a 1968, o Arquivo Miroel Silveira da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ECA-USP, promove a partir do dia 12 de outubro o seminário 1968: Liberdade e Repressão, que contará com a presença de especialistas, pesquisadores, artistas, jornalistas e críticos.

O evento contará com mesas-redondas cujas temáticas serão desenvolvidas a partir de textos teatrais apresentados para a Censura da Divisão de Diversões Públicas do Estado de São Paulo em 1968.
As inscrições para o seminário podem ser feitas no site do Arquivo Miroel Silveira, gratuitamente.