segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Terça-feira fecha com “O Crime da Cabra”

Após duas mesas de debate, público assiste a encenação de peça censurada durante a Ditadura


Na última atividade do segundo dia de Seminário, o público pôde assistir ao espetáculo “O Crime da Cabra”, de Renata Pallottini. A encenação ocorreu no Teatro Laboratório da ECA-USP.


A farsa contou a história de uma cabra que, prestes a ser vendida, come o dinheiro de seu comprador. De quem é a cabra agora? É a partir desse impasse que todo o enredo se desenrola, numa pacata cidade do interior.


Deolino e Filinto vão exigir justiça do delegado local (que tem ao seu lado um atrapalhado ajudante): aquele que queria vender a cabra diz que não irá mais entregá-la porque não recebeu o dinheiro. Já o comprador exige o animal, pois o dinheiro foi entregue.


Em meio ao conflito com a cabra, uma trama amorosa se desenrola: o Coronel Terso tenta seduzir Romilda, a insinuante e traiçoeira mulher de Deolino. Além disso, a cidade recebe a visita de um cego, vindo de outra cidade. Este, apesar de não enxergar, é o mais sábio de todos, “vendo” tudo o que acontece na delegacia, da “escapadela” do coronel à disputa pela cabra.


O poder do pequeno povoado aparece nas figuras do Coronel Terso, um grosseiro latifundiário com patente de coronel e que tem todo o seu poder concentrado em seu coldre à cintura; e na do Delegado, que dita a justiça à sua maneira, ora se valendo da Constituição em mãos, ora se valendo de seu estado de espírito no momento para resolver o impasse.


O poder coercitivo e abusivo em pequenas cidades do interior são temas claramente debatidos, mas que se tornam sutis com o uso do humor, que permeia toda a peça. Mas, como a autora conta, “Bem queria eu que o mundo de hoje – dentro e fora de mim – fosse o que me foi quando escrevi O Crime. Naquele tempo um delegado de província podia ser pensado como um distraído decifrador de palavras cruzadas. Um latifundiário com patente de coronel era ainda alguém com quem se podia brincar... hoje, no mundo de verdadeiros crimes e verdadeiros venenos, a realidade émais dura”.


A propriedade privada é outro tema debatido na peça. A cabra se configura como esse direito à propriedade. E é o grande objeto de disputa. Ora a cabra fica na posse do delegado, quanto este, ao constatar que um animal não pode cometer um crime, diz que no impasse não há criminoso e culpado. Logo, a melhor solução seria deixar a cabra na delegacia (uma decisão que se mostraria equivocada, pois nem Deolino nem Filinto desistem tão fácil assim do animal).


E ora a cabra viraobjeto de cobiça do Coronel, numa atitude tanto infantil quanto aleatória e autoritária. No final das contas, é um vai-e-vem no modo como a propriedade privada é debatida.


Mas todos chegam a uma conclusão, ao final do espetáculo: “A cabra é de quem precisa. Assim é que deve ser.”.



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